GAIO MATOS

Fonte: http://www.geraldojose.com.br


Foto:Paulo Coelho Fonte: http://www.geraldojose.com.br

Fonte: edinhorodelasbahia.blogspot.com.br

Fonte: www.rodelas.com

Foto: Patricia Telles


Foto: Atailto Antônio

Autor desconhecido
INSTRUMENTOS PARA DOBRAR RIOS
O artista que lida com o espaço, opera com agenciamentos e produçãode efeitos. Em oposição ao planejamento e a estrutura, ele não sabe ao certo no que suas invenções e suas articulações vão resultar porque o espaço perde situabilidade e já não é mais uma inscrição precisa em dimensões geográficas acessíveis à experiência individual, mas sim um espaço de negociação.
Na proposta para a 3º Bienal da Bahia o espaço do rio São Francisco é administrado não apenas como suporte, mas como matéria prima de acontecimentos num ambiente carregado de tensão e possibilidades. Inquieto e apto a mover-se em qualquer direção ativado por intensidades que escapam ao nosso controle, segue sempre indicando ou sugerindo uma realidade multiterritorial mais ampla, complexa e desigual. É desta perspectiva que se torna possível uma interpretação alternativa do São Francisco, do seu desenho e tipologia; o que dá ao lugar sua especificidade é o fato de que, se os espaços podem ser traduzidos a partir do encontro de entendimentos na sua órbita, essas negociações em si não são inertes: elas são processos. Talvez se deva dizer também isso do rio, que é ele também um processo.
A DOBRA
Experimentamos hoje um espaço multiopcional na composição de nossa identidade e territorialidade. Ao mesmo tempo, na medida em que a ideia de espaço/tempo é discutida numa dimensão cada vez mais ampla e abstrata, tanto espaços, quanto indivíduos e informações experimentam também, e cada vez mais, a potência dos mecanismos de contenção. A tentativa de desvios, controle de fluxos e circulação de informação, de pessoas e coisas, a construção de novos muros, dutos, barreiras, contenções territoriais, e assim por diante nos mostram a face de um poder e o seu efeito barragem. É exatamente neste ponto que se dá um dos grandes paradoxos na compreensão do espaço nos dias de hoje.
Se por um lado observamos a fluidez de um espaço flexível e movente, por outro temos a produção contínua dessas fronteiras, limites e suas estratégias de cercamento e controle no e entre os espaços e territórios. O que vem em seguida são movimentações de contra-posicionamento frente ao aparelhamento e a instrumentalização dos espaços, fluxos e sujeitos por alguma forma de controle. E quando os mecanismos de fechamento e contenção já não dão mais conta, é inevitável o aparecimento dos processos de vazão e escoamento bem como as táticas de contorno em contraponto à fronteira e aos limites. Surgem os deslocamentos, as estratégias desviantes em busca de uma saída fora das bordas, da vigilância dos muros e do controle. Os imigrantes ilegais, os grandes êxodos, o narcotráfico, o contrabando, a pirataria, a sonegação e assim por diante são emblemas dessas estratégias de fuga ou contornamento onde se está sempre no meio ou na eminência de posicionamento entre um território ou outro.
Nessa direção, a idéia é partir numa residência móvel subindo o rio São Francisco para pesquisa e produção de trabalhos voltados à essa situação de fechamento e abertura provocada pelas inúmeras intervenções, aquisições, desvios e alterações em sua órbita do ponto de vista da engenharia, da topografia e do desenho de seu curso desde a sua foz entre os estados de Sergipe e Alagoas até a cidade de Remanso. Mapear lugares, cidades e localidades próximas ao rio, ouvir o São Francisco, suas memórias e histórias. Todos esses processos são matéria prima para para invenção de trabalhos onde prevaleçam o estímulo a dobra e a “arte de contornar” a configuração dos espaços, lugares e fluxos a partir da diferença. Uma estratégia onde a reação prevaleça nas obras e onde as táticas de mobilidade, mapeamento de experiências e deslocamentos sejam um contra-posicionamento às bem planejadas ocupações estáticas como as construções e monumentos de longo prazo.




1 ETAPA - 16 dias, 3230 quilômetros. Cidades e regiões mapeadas : Piaçabuçu, AL - Piranhas, AL - Canindé do São Francisco, SE - Paulo Afonso, BA - Nova Petrolândia, PE - Rodelas, BA - Juazeiro, BA - Petrolina, PE - Remanso, BA - Casa Nova, BA - Sobradinho, BA.

Sobradinho, BA

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
A quantidade de rio preso pela barragem é um mar no meio da caatinga, quase não se vê terra na linha do horizonte. A muralha de concreto que segura a potência do São Francisco, fez a água engolir quatro cidades provocando um êxodo de cerca de 70 mil pessoas, a migração e o desaparecimento de um sem número de bichos. A contenção que deforma a força do rio e ilumina parte do sertão é a mesma que escurece no fundo do lago, velhas memórias. Mais na frente, perto do mar o São Francisco adoece.
Casa Nova, BA

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
Das dunas, seu Nilton aponta para um lugar imaginário no meio do lago e lembra da antiga Casa Nova submersa no fundo das águas do São Francisco. A lua que rege as marés no resto do mundo não tem qualquer função nas ondas da praia doce. Uma procissão de carros pipa disputa a bomba que puxa a água do rio, a cachoeira nessas carrocerias é o emblema do desperdício.
Remanso, BA

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
Chegamos num domingo a tarde, a cidade praticamente deserta e de portas fechadas produzia uma paisagem fantasmática. Me veio a lembrança da velha Remanso submersa pelo lago de Sobradinho. A margem é plana, extensa e vazia, a sensação espacial é de amplitude. No meio desse deserto azul e verde, uma bomba suga sem descanso as águas do rio ecoando um barulho infinito e seco.
Canindé do São Francisco,SE


Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
O percurso margeando o rio, de Canindé de São Francisco até os arredores da represa de Xingó entre Alagoas e Sergipe surpreende. A visita a locais inusitados como uma imensa estação de captação abandonada, a visão do rio e sua correnteza do alto da serra me fez parar o carro algumas vezes. O fim das corredeiras por conta do represamento acalmaram as águas do São Francisco transformando a região num evento turistico. A estrutura dos passeios de catamarã lotados de gente pelos seus cânions com restaurantes e pontos de apoio no meio do rio é assustadora.

Juazeiro, BA e Petrolina, PE

Gaio Matos, 2014


Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
Por conta da quantidade de ilhas no entorno, as cidades poderiam se chamar arquipélago de Juazeiro e Petrolina. Na região semi-àrida, o São Francisco abençoou e retalhou a caatinga com sua lâmina d'agua, a população vive o rio que corta e molha generoso sua terra. Ilha do Fogo, Rodeadouro e Massangano dentre outras, denunciam a correnteza branda que leva o rio adiante. O vaporsinho que envelhece deitado na margem é o avô dos barcos que ligam Juá a sua irmã Petrolina lá do outro lado.
Petrolândia, PE


Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
Da estrada já dá para ver as ruinas da Igreja do Sagrado Coração de Jesus no meio do rio represado. A construção é a única estrutura que resiste ao desaparecimento de Petrolândia, inundada com a construção da barragem de Itaparica. A população inteira foi relocada para uma nova Petrolandia, desenhada e construida pela CHESF. Ficaram no fundo do lago artificial as referências de lugares e a identidade de uma cidade que ainda hoje se reinventa.
Rodelas, BA

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014

Gaio Matos, 2014
"...os menino de hoje não se melam nem chupam as mangas com as mãos como antes, cortam com a faca..." Dadinho, Professor de história.
Rodelas é um poço sem fim de lembranças. Afogada pelas águas do lago artificial de Itaparica, a única construção visível da cidade velha é a antiga caixa d'água que parece flutuar na superfície do lago como um jazigo. A construção da barragem apagou a cidade do mapa. O maior desafio da população é passar adiante as memórias e histórias da velha Rodelas. O desenho da cidade, suas ruas, praças e construções ainda sobrevive em fotos amareladas e nos galhos da copa das árvores secas que furam a superfície das águas.
Paulo Afonso, AL






Na cidade que transforma o rio em energia, tem-se a primeira impressão da imensa quantidade de água retida pela mão do homem. A violenta cachoeira de Paulo Afonso é agora regulada por um botão com hora marcada, os cânions da trilha do Algorão e do São Francisco entalham uma paisagem fora do comum. A água que falta ao Rio em Piaçabuçu e Piranhas, sobra na grande quantidade de lagos artificiais construidos pelo complexo.
Piranhas, AL







"...a natureza cobra", Dona Dione, comérciante.
Deixamos Piaçabuçu à tarde e pegamos a estrada rumo à Piranhas em Alagoas. No dia seguinte, fomos subindo o São francisco de barco até a trilha do cangaço na caatinga, onde Lampião e Maria Bonita foram mortos. Do alto da serra, a cidade histórica assiste o seu rio esvaziar. A lâmina das pedras, cada vez mais à mostra por conta do bloqueio das àguas pelas barragens tornou seu leito navegável para os poucos que sabem ler o desenho de suas águas. Como um cangaceiro escondido, cada pedra e banco de areia do velho Chico parecem estar a espreita de embarcaçãoes mais distraidas.
Piaçabuçu, AL






"Esse negócio da dobra que vocês falam, quem tem que fazer é a natureza, quando é o homem que faz a coisa não dá certo não..." Seu Ailton, pescador.
Depois de sete horas de carro partindo de Salvador finalmente chegamos ao rio São Francisco, onde pegamos a balsa na cidade de Neópolis, em Sergipe. Já era noite quando atravessamos o rio e seguimos rumo a Piaçabuçu, em Alagoas, a cidade mais próxima da foz. Acordei cedo no dia seguinte, caminhei pelas ruas, no cais, a quantidade de embarcações denunciava a vocação pesqueira da comunidade. No meio da manhã fomos no barco de seu Ailton até a foz. Ali a margem do São francisco recuou tanto por conta das intervenções no seu curso que hoje é possivel encontrar peixe do mar até 30 quilômetros rio a dentro. A água que antes era doce e farta é agora salobra e distante de casa.