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Navegar (não) é preciso

Paula Alzugaray, 2007

Nos tetos das casinhas de madeira da instalação Fábricas, de Gaio, pairam conceitos e eventos de espectro tão amplo quanto o readymade, o complexo de édipo, a teoria do inconsciente, a morte de deus, a gênese da cultura popular, a crítica ao capitalismo, o fim das ideologias, o paradigma do super-homem. Os livros que conformam os telhados dessas singelas construções fabricadas de pedaços de madeira catados nas ruas, constituem uma bibliografia com os pilares do pensamento moderno e pós-moderno. Mas fiquemos por ora com o conceito de rizoma, elaborado por Gilles Deleuze e Félix Guattari, pelo sentido que ele pode irradiar, a partir dessa instalação específica, Fábricas, para toda a poética da obra de Gaio.

 

Por rizoma, entenda-se, em linhas gerais, uma estrutura em forma de rede, que contém em si princípios como heterogeneidade, movimento, acaso e, especialmente, desterritorialização. O rizoma pode ser subterrâneo e também aéreo. Essa existência variável, que concilia paradoxos, é o que orienta a produção de Gaio.

 

A conjugação território/nomadismo estrutura os carros-casas da série Espaçonaves e também as fotografias da série Negreiros, que fazem uma aproximação entre os atuais cargueiros e petroleiros com os antigos navios negreiros que entravam na Baía de Todos os Santos, carregando a diáspora africana. Ambos os trabalhos referem-se a travessias: do tecnológico ao precário, do nômade ao sedentário, do passado ao presente, do território ao não-lugar, do objeto fixo ao espaço/fluxo. A espaçonave Cidade solta, uma cidade alagada sobre rodas de skate, exposta no Centro Cultural São Paulo, é um desses exercícios de arquitetura de um território em movimento.

 

O rizoma é ainda algo que brota espontânea e sorrateiramente nas brechas dos espaços civilizados. Assim como a planta arquitetônica da casa burguesa perde sua racionalidade, ao ser infiltrada rizomaticamente no tecido urbano. No lento movimento do caracol que carrega o home theatre nas costas, no vídeo Saindo de casa, há um persistente rastejar no sentido de diluir a oposição entre ser nativo e ser estrangeiro. Mesmo que esse movimento possa ser interrompido ou quebrado em algum ponto, o caminho será sempre refeito e traçado em outras linhas de ação.

 

Como mato que cresce nas brechas, assistimos, nas imagens da série Calos, à irrupção de casas-calos nas palmas das mãos. Em qualquer caso, Gaio propõe a arte como um teto, que abrigue a condição-fluxo, sem-teto, sem-terra e sem raíz, do homem urbano.

 

 

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